10.24.2013

Amplifest 2013


Da equipa que trouxe ao Porto a cultura musical desejada há já muito tempo, depois de tanta queixa nortenha em relação ao centralismo, este é o festival de quem, por amor e crença na arte, lutou para que houvesse eventos culturais de qualidade na cidade Invicta, mesmo que isso nunca lhes trouxesse lucros recompensadores em relação ao trabalho e suor exigido na tarefa. Mas já todos sabemos que a integridade artística não faz a vida a muita gente, principalmente na música, onde toda a gente tem o seu gosto e acaba por se fechar muito em torno disso, criando assim uma espécie de barreira cultural impenetrável às partilhas e sugestões de outrem. E muitas dessas gentes, que dizem adorar música, preferem mesmo ouvir o que acham "comercial", ignorando completamente o conceito de arte, achando que o melhor mesmo é ouvir o que é conhecido e que passa nas rádios, porque isso é que é boa música, aquela que enche estádios e aparece nos tops de vendas. Mas não podiam estar mais enganados, e espero que um dia essa mentalidade comece a desvanecer. Essa mentalidade que traz argumentos como "sabes quantos discos vendeu a banda x?" ou "uma banda que enche o Pavilhão Atlântico não pode ser considerada merda".




A cultura não devia ter preço, e devia ser algo lecionado nas nossas escolas. Para que é que nós queremos aprender a tocar a flauta de bisel se depois, no resto da nossa vida, não voltamos a ler uma pauta? Considero muito mais importante, a um nível de realização pessoal, que se tente abrir horizontes aos mais novos através de obras artísticas verdadeiramente relevantes e ensiná-los a apreciar e tirar partido do que tão bom nos pode trazer a arte. Porque se em Língua Portuguesa se explicam obras como os Lusíadas e o Memorial do Convento, em Educação Musical devia-se explicar discos como o Dark Side of The Moon ou o Unknown Pleasures. Porque a expressão artística pode mudar vidas, mentalidades, e, até mesmo, educar as pessoas. Mas está-se mais preocupado em formar robots que depois vão seguir uma Engenharia qualquer só para ter emprego (olá, Luís Miguel Vieira).


Uma das maiores bandas da história do Amplifest.

E depois de eventos absolutamente inesquecíveis, para mim, como o concerto de Kayo Dot e Isis - entre outras bandas emblemáticas, que muitos se arrependem de ter perdido por falta de conhecimento (como eu), por exemplo: Russian Circles, Mono, Fuck Buttons, A Silver Mt. Zion, Pelican, These Arms Are Snakes e Altar of Plagues - a Amplificasom era a promotora mais badalada e aclamada entre a cultura underground, entre aqueles portuenses, e não só, que sentiam a música de maneira diferente e que andavam atentos ao que se ia passando culturalmente na sua cidade. Na sua cidade e não só: lembro-me de ir ver os Alcest a Braga, e que esse evento teve mão da Amplificasom, mais um concerto para a vida e sua posteridade. Depois de tudo isto, os senhores por trás dessa grande promotora decidiram aventurar-se nos festivais, história essa que já leva na mala a sua terceira magnífica edição, sempre promovendo a integridade artística ao invés do fácil que encheria facilmente o pequeno grande Hard Club.


O Hard Club à chegada.

É bonito por fora, não é? Como todo o Porto, já toda a gente sabe. Mas por dentro, pelo menos neste fim de semana, conseguiu ser ainda mais belo e inspirador. Não falando ainda dos concertos, o interior do espaço mais emblemático da capital nortenha estava repleto de coisas interessantíssimas para observar, como cartazes muito mais artísticos do que publicitários - como se quer –, bancas de discos de várias editoras completamente desconhecidas ao olhar do comum mortal - e muitas mesmo aos olhos do mais interessado pelo mundo musical – repletas de pequenas pérolas que nunca encontrariam numa fnac, com muita pena minha. Um mundo para os “crate diggers” e um atentado à nossa carteira. Além disto tudo, pôde-se assistir a um filme que muito dificilmente encontram na internet chamado Black Mass Rising, que eu não pude ver, com pena, e  ainda uma conversa com um dos senhores por trás do grande festival Roadburn. Um mundo cultural compactado em dois dias de alta intensidade.



E é depois disto tudo bem assimilado que aparece a primeira surpresa do festival. Os Zatokrev eram uma banda desconhecida para mim, mas mal cheguei fizeram questão de me atirar à cara o quão errado estava. Não sou fanático nenhum por metal, mas este concerto foi qualquer coisa de estrondoso e impressionante. Riffs criativos e catchy misturados com as batidas mais propícias ao headbanging que poderão imaginar. Não fosse o final morno, e a tender para um drone forçado, e teriam sido o melhor concerto do dia. Espera lá, mas foram mesmo. Mas isto deve-se só à falta de imaginação de bandas como Deafheaven e Downfall of Gaia que, a mim pessoalmente, não bateram minimamente e aborreceram bastante. Mas chega de falar de bandas subpares, quem deu outro concerto muito bom no primeiro dia foram os Year of No Light e a Evangelista. Os primeiros num registo mais ambiental e bonito, mas pujante quanto baste. A segunda menina foi mais numa de fazer o aleatório parecer bom, mas gostei bem mais de ouvir em estúdio. Notável, porém, a ambiência e estado emocional para onde ela nos leva com a sua voz que, ora parece saída de uma caixa de música, como logo a seguir nos grita pertubadoramente, como se a sua alma se estivesse a rasgar. Muito poucos conseguem fazer o que ela faz a nível de “canções”.


Zatokrev
Year of no Light

O segundo dia prometia muito, com os melhores nomes do cartaz alinhados num curto espaço de horas e algumas grandes surpresas pelo meio. Uma delas foram os Aluk Todolo, que mostraram que é nos casos de ignorância que as melhores emoções nos aparecem. Uma lâmpada ao centro do palco, que parecia alimentada ao décibel do guitarrista que oscilava entre o metal e o post-punk de forma interessantíssima; um baterista aparentemente lunático mas literalmente genial; e um baixista com as melhores melodias e um groove fantástico que nos agarrava mesmo quando parecia que o resto dos membros estavam num desvaneio de pura improvisação. Foram estes os ingredientes desta receita metal muito krautrock / post-punk / dark ambient que eu recomendo a toda a gente que se interessar por alguns destes géneros. Duas horas que passaram a voar, mesmo quando a seguir viria a Chelsea Wolfe. Esta Senhora, que mais tarde nos viria a brindar com uma aparição masjestosa no concerto de Russian Circles, tinha a cabeça a prémio como o concerto mais aguardado do festival. E nunca, em tempo algum, desiludiu minimamente. Nem se esperava tal coisa, com dois discos como o Apokalypsis e o Pain is Beauty na bagagem era impossível dar um concerto fraco. Muitos estavam lá apenas para a ver, e a maior parte ficou surpreendido com a sua altura, mas encantado pela sua capa branca e angelical e sua voz tão aterradora quanto linda ao recitar as mais belas poesias musicais ao “som” do contraluz, e deliciosamente ternurenta enquanto agradecia ao público pelos mais fortes aplausos desta edição do Amplifest. Mas é acompanhada da guitarra acústica na “Lone” que a nossa diva dos sonhos deixa a poeira fúnebre assentar, formando assim um lamaçal de emoções díspares imenso com as lágrimas de todos os que presenciaram o momento.


Aluk Todolo

Não houvessem os insossos Katabatic pelo meio e a sala 1 ficaria mesmo inabitável emocionalmente, com o suor que os Russian Circles nos viriam extraír com as suas mágicas composições e a sua magnífica química entre guitarra e bateria. Química essa que vem da imaginação e vontade de fazer algo mais que o simples post-rock de receita como fizeram, por exemplo, os Deafheaven, disfarçado apenas da tentativa desesperada de fazer algo diferente adicionando batidas de black metal. Aqui vimos algo verdadeiramente tocante, visceral e sinestésico do início ao fim, uma lição de como fazer algo no género de uma forma inteligente no século XXI. Soa-me estranho usar a palavra refrescante no concerto que mais aqueceu as hostes nestes dois dias, mas é esse mesmo o adjectivo que me ocorre neste momento. Sabia que o Enter era um grande disco, e era o único que conhecia a fundo, algo que, ainda assim, não me impediu de adorar o concerto todo, tendo me dado uma enorme vontade de percorrer o resto da discografia.


Pré- Russian Circles

E quando as saudades do Amplifest já começavam a bater à porta, eis que surgem os derradeiros vencedores do prémio “surpresa do festival”. Os desconhecidos Putan Club deram um concerto enormíssimo, onde deram uma demonstração genial de “industrial meets post-punk”, a fazer lembrar ligeiramente uns Flux Information Sciences, mas demasiado criativo e envolvente para nos deixar indiferentes, palavra essa que só com uma negação é que se poderia associar a este duo fantástico que conseguiu fechar da melhor maneira imaginável este festival repleto de qualidade. Disseram eles, no final, que, em 18 anos de carreira, nunca editaram um disco. Pois bem, é nestes casos que se vê a falta que a Amplirecords anda a fazer à música actual. Então é até para o ano.


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